quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

AMOR MAIOR...

Sempre me perguntei o porquê de as pessoas sofrerem por amor. Na maioria dos casos elas sabem que não estão com a pessoa certa. Mas, aconteça o que acontecer, elas ainda preferem estar com a pessoa errada. A verdade é que não é fácil olhar nos olhos de quem se ama e dizer adeus. E, até que esse dia finalmente chegue, muitas lágrimas já foram derramadas e muito tempo jogado ao lixo.

Para os mais sortudos, o amor surge de maneira inexplicável e dá certo. Para outros, o amor começa a secar até não mais existir. Nas idas e vindas, alguns amores se perdem e se reencontram. Mas, nessas variedades, também há um amor mais rude. Um amor que sufoca e mata: o amor mal correspondido. Pior, até, do que o amor não correspondido, pois no amor não correspondido as expectativas rapidamente se acabam.

No amor mal correspondido, você não se sente bem e não confia na pessoa amada. Com a convivência, você percebe que não há sintonia, que não há ternura, mas você espera estar enganado. E sempre que a pessoa faz algo que você reprova, você ignora. Mas, sempre que ela age bem e o surpreende, ela o reconquista. Então você esquece a idéia de que ela não serve para você e novamente acredita que tudo pode dar certo.

Porém basta um piscar de olhos e ela volta a feri-lo, fazendo você se sentir a criatura mais insignificante do universo. Você chega a sentir dores em lugares que nem imaginava existir. E não importa quanto tempo você passe jogando bola, quantas taças de vinho você tome ou quantas horas você gaste na academia, que você ainda vai para a cama pensando no que fez de errado para aquilo estar acontecendo.

Dia a dia, a ferida cresce e cresce. Tudo parece perdido, sempre. Mas quando você pensa que o jogo acabou, já nas prorrogações, você descobre um outro tipo de amor que nem imaginava existir. Um amor mais lento e menos pretensioso. Um amor doce: o amor próprio. E depois de lágrimas derramadas e muita dor no coração, você, finalmente, aprende a se amar. E, apenas se amando, você olha fixo nos olhos de um amor mal correspondido e diz: acabou. A partir daí, você se libera. Desprende-se de qualquer mancha na alma e começa a enxergar o mundo com outra visão. Então você começa a ser feliz. E descobre que não há amor maior do que o seu próprio amor.

Everson Geronimo Vieira Belo

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

As lágrimas de Gabriel

Ele tinha 13 anos e se chamava Gabriel. Era o mais baixo da turma e por isso o apelidaram de atrofiado. Se eu quisesse pôr em números os instantes em que ele sofreu por seu tamanho minúsculo, certamente, perderia tempo e não chegaria perto da exatidão. A cada 2 dias, ele sofria um e meio, pois nas outras doze horas Gabriel estava dormindo.

Nos mais sensíveis, Gabriel provocava um verdadeiro sentimento de piedade. Nada mais, nada menos do que 1 metro. Por diversas vezes ele acordava e a primeira coisa que fazia era correr em direção ao banheiro para apanhar sua fita métrica, escondida embaixo do móvel das escovas de dentes. Chegando lá, Gabriel checava seus 100 centímetros, na esperança angustiante de ter alcançado o 101º. Mas cada tentativa era somente mais uma frustração.

Querendo esconder sua pequenez, Gabriel costumava sempre calçar seu tênis de 5 centímetros de solado. Essa era, inclusive, a única forma que ele encontrara para apanhar o pacote de biscoito em cima do armário, sem que precisasse subir nas cadeiras. Qualquer indepedência era um motivo para sua alegria.

Como se não bastassem os xingamentos e as injúrias descabidas, por vezes, Gabriel ainda sofria ataques de violência gratuita. Era incapaz de qualquer provocação e nem mesmo retrucava as ofensas; engolia todas a seco. Mais parecia um bolo de entulho cortando sua garganta e lhe roubando lágrimas, mas Gabriel mantinha-se calado.

De todos os dias de sua história, não havia um único em que Gabriel acordasse feliz e deitasse feliz. Quando não sofria na rua, sofria em casa, acompanhando as discussões entre seus pais. João Roberto, 43 anos, era viciado em cocaína. Não raro, gastava o dinheiro da mensalidade do colégio do menino, fazendo Maria Rita, uma mãe de coração puro, precisar cumprir horas extras no trabalho.

João Roberto era do tipo grosseiro. Sempre que se encontrava dominado pelas drogas, jogava na cara do garoto sua insatisfação em tê-lo. E mesmo com Gabriel aos prantos, gritava com sua voz rouca e de um timbre pesado que se era para ter uma “coisa daquelas” era melhor comprar um poodle na loja de animais. Eu poderia, até, dizer que a cada palavra que João Roberto proferia, Gabriel derramava uma lágrima. Mas, na verdade, não era uma lágrima por palavras: era uma lágrima por cada letra.

Algumas vezes, Gabriel sonhava ter um, dois, até mesmo, três metros de altura. Esses sonhos eram uns dos instantes em que ele se sentia realmente grande; por dentro e por fora. Mas, ao acordar, Gabriel não sabia se aqueles sonhos o faziam bem, pois achava terrível aceitar que aquilo não passava de utopia. Confessava ao seu melhor e único amigo Toby, um papagaio de estimação raro da espécie azul, que sentia como se ganhasse na loteria e perdesse o bilhete, antes de receber o prêmio. No seu íntimo, Gabriel podia jurar que Toby era o único que entendia seus sentimentos.

Gabriel era um aluno exemplar em todas as disciplinas. Era o melhor da escola e sua inteligência era algo notável. Sempre estava disposto a estudar e ler bons livros, pois para ele qualquer tipo de leitura era um alimento à sua alma. E foi a caminho da biblioteca que Gabril presenciou a cena que mudaria seu comportamento pelo resto de sua vida.


DEZEMBRO DE 1998